A biblioteca do futuro já começou

Clementina Castro (Biblioteca Municipal de Castro Marim)

As bibliotecas sempre foram muito mais do que espaços de estantes repletas de livros. São lugares de encontro, de descoberta e de conhecimento partilhado. No século XXI, atravessam uma revolução silenciosa: a forma como acedemos à informação mudou e com ela mudam também os serviços oferecidos ao público. Em Portugal, essa transformação já é visível. Um dos exemplos mais recentes é o lançamento do BiblioLED, que permite às bibliotecas públicas a disponibilização de livros eletrónicos para empréstimo online, acessíveis a qualquer hora, e em qualquer lugar. Trata-se de uma mudança significativa que responde à procura crescente de conveniência e mobilidade. Hoje, já não é necessário ir fisicamente à biblioteca para requisitar uma obra: basta um telemóvel ou computador para ter acesso imediato a uma coleção digital. 

No entanto, o futuro das bibliotecas não se esgota na digitalização dos acervos. A inteligência artificial (IA) começa a desempenhar um papel decisivo, quer na organização de conteúdos, quer na relação com os utilizadores. Ferramentas de IA estão a ser testadas para catalogar automaticamente documentos, sugerir leituras personalizadas e até conversar com leitores através de assistentes virtuais. A questão não é apenas tecnológica, é também cultural e social. A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD) tem promovido debates sobre o impacto da chamada “IA generativa”, que já consegue escrever textos, resumir documentos e até produzir imagens. Há entusiasmo, mas também cautela: como garantir a fiabilidade da informação? Quais as implicações éticas no uso das ferramentas da IA? E até que ponto estas ferramentas podem substituir o olhar crítico de um bibliotecário? Outro desafio prende-se com a acessibilidade. Tecnologias baseadas em IA, como leitores de texto em voz natural ou sistemas de reconhecimento de imagem, prometem tornar as bibliotecas ainda mais inclusivas, garantindo que pessoas com deficiência possam usufruir plenamente dos serviços. No entanto, a modernização também levanta problemas práticos: o investimento em equipamentos, a formação de profissionais e, sobretudo, a necessidade de garantir que todos têm acesso. Se as bibliotecas são um espaço democrático por excelência, será essencial assegurar que ninguém fica para trás nesta transição digital. 

A criação do modelo de linguagem “Amália”, que promete ensinar algoritmos a falar e a escrever em português de Portugal, é outro passo importante. Este tipo de inovação poderá garantir que os serviços digitais usados em bibliotecas respeitam a língua e a cultura nacionais, aproximando a tecnologia das realidades locais. Em suma, a biblioteca do futuro já não é apenas o edifício onde repousam livros, mas um espaço híbrido: físico e digital, global e local, tecnológico e humano. Continua a ser um lugar de conhecimento, mas reinventado para uma nova geração de leitores. Se as mudanças trazem dúvidas, também abrem oportunidades. O certo é que, entre algoritmos e estantes, as bibliotecas permanecem fiéis ao seu papel essencial: garantir que o acesso à informação é um direito de todos.

OUTUBRO 2025