Rostos que dão vida às Bibliotecas

Sandra Marques Martins (Biblioteca Municipal de Faro)

As bibliotecas deixaram há muito de ser apenas depósitos de livros. Hoje, são espaços vivos, de encontro e aprendizagem, frequentados por públicos muito diferentes entre si e com necessidades e motivações distintas — todos à procura de algo comum: conhecimento, convívio e tempo de qualidade.

Compreender a diversidade do público é crucial para o planeamento estratégico de uma biblioteca, desde a aquisição da coleção até à oferta de serviços e organização do espaço.

Onde havia apenas o cheiro a papel e o sussurro contido, agora também cheira a café e fala-se descontraidamente. Porém, mantém-se o mesmo sentimento de tempo e silêncio, que parece dizer: “aqui dentro o mundo desacelera”.

Entro numa biblioteca pública e vejo rostos diferentes — cada um com o seu motivo para estar ali. Na mesa do fundo, junto a uma janela que se avista o jardim, um estudante mergulhado em livros sublinha com determinação, como se cada linha fosse um degrau no caminho para o futuro. 

Mais adiante, dois senhores de cabelo grisalho trocam impressões sobre as notícias do dia. Vieram ler o jornal, mas acabam por conversar sobre política, futebol e memórias de outros tempos. A biblioteca é o seu café sem barulho, o ponto de encontro onde ninguém precisa pedir nada para ficar.

Nos computadores, um jovem procura emprego, uma senhora faz um curso online, e um turista consulta o mapa da cidade. A internet trouxe outros públicos, novas formas de leitura e de curiosidade. A biblioteca já não é apenas um abrigo de livros — é um abrigo de pessoas.

Mais uns passos e outros jovens procuram a quietude e os recursos bibliográficos que não encontram facilmente online. E ali num canto mais discreto da sala, um grupo de adolescentes discute um trabalho escolar. Desde alunos do ensino básico a universitários, veem na biblioteca um refúgio de concentração, um apoio essencial para o estudo e um local aprazível, que apetece estar.

No piso de baixo, uma criança ri baixinho enquanto a mãe lhe lê uma história de pandas. Há algo de mágico nesse riso contido, como se o próprio edifício respirasse mais fundo só por ouvi-lo.

Do outro lado, ouve-se o barulho de um grupo de senhoras que acabaram de sair da sala onde coseram pontos e tricotaram. Discutem a quem vão fazer sorrir quando entregarem os agasalhos que estão a terminar.

Mesmo ao lado, a leitora que se atrasou na devolução dos livros, pede desculpa e promete não voltar a acontecer.

Perto do bar, a professora ensina e ajuda na preparação para os exames nacionais, enquanto os jovens trocam risos, e ao lado, uma senhora lê um romance como quem revive um pedaço da própria vida.

O funcionário pede silêncio mas neste momento é quase impossível, a Biblioteca enche-se de gente para entrar no auditório e ouvir o escritor que acabou de lançar um novo livro. Nunca tinha visto algumas dessas pessoas; talvez tivessem entrado na biblioteca pela primeira vez.

Há quem entre para estudar, quem venha apenas descansar a alma, e quem encontre ali uma companhia discreta. Na verdade, já se conheceram ali, casaram e tiveram filhos. Todos, à sua maneira, pertencem àquele lugar.
E talvez seja isso o mais bonito nas bibliotecas: nelas, a diferença não pesa. Inclusivas por definição, não excluem ninguém. A biblioteca acolhe um mundo dentro do mundo. Lá dentro cabem o passado dos livros antigos, o presente das pesquisas e o futuro dos pequenos leitores que aprendem a virar páginas com os seus dedos pequenos.

No fim da tarde, quando a luz se inclina sobre as estantes, percebo que a biblioteca é um pequeno retrato da comunidade — feita de estudantes apressados, leitores fiéis, pais e filhos felizes por ir ouvir uma história, curiosos ocasionais e vozes serenas que procuram apenas um pouco de tempo.
E há outros rostos que também lá estão, os que através do seu trabalho e dedicação, tornam a biblioteca um espaço vivo e essencial à comunidade.

Saí da Biblioteca e esqueci o livro que ia requisitar. Mas trouxe outra coisa – a convicção de que as bibliotecas fazem falta a todos os que partilham a mesma necessidade – entender o mundo e a si mesmas. Elas continuam a provar que são muito mais do que um lugar de silêncio — são um espaço de vida comunitária e de futuro.


NOVEMBRO 2025

 

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