Reunião Extraordinária da Assembleia Intermunicipal debateu a Habitação no Algarve

A Assembleia Intermunicipal do Algarve realizou, esta quarta-feira, uma sessão extraordinária no auditório da CCDR Algarve, em Faro. Na segunda parte da reunião foi promovido um debate com o tema «Os Desafios da Habitação no Algarve» que contou com as participações da arquiteta Helena Roseta e de Nelson Dias, da Associação Oficina.


A sessão de abril da Assembleia Intermunicipal decorreu em pleno apagão, que assolou o país, pelo que houve assuntos que não foram votados. Assim, e porque este órgão também existe para motivar os algarvios para a discussão dos grandes temas respeitantes à região, acrescentou-se à agenda da reunião extraordinária da passada quarta-feira um segundo momento dedicado ao tema «Os Desafios da Habitação no Algarve», que contou com as participações da arquiteta Helena Roseta e de Nelson Dias, membro fundador da Associação Oficina (entidade especializada em democracia participativa e políticas públicas), e com a presença de vários convidados.

Como é habitual, a sessão foi transmitida em direto na página de FB da AMAL e está disponível no canal YouTube e na página do site oficial em https://amal.pt/amal/orgaos/assembleia-intermunicipal/assembleias-videos.

O tema da habitação é “da maior pertinência e relevância, sendo um fator crítico para o desenvolvimento económico e social da região”, lembrou o presidente da Assembleia Intermunicipal, José Águas da Cruz, ao dar início ao debate.  

Começou por ter a palavra o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, que fez uma intervenção sobre “Os fundos europeus da Política de Coesão e a crise da Habitação” (disponível AQUI). José Apolinário referiu um dado fundamental que é o facto de os 16 municípios do Algarve terem já as suas estratégias locais de habitação aprovadas pelas assembleias municipais, trabalho este feito em conjunto com a AMAL e com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Lembrou, também, que “Neste momento, está definido que a União Europeia vai reforçar as verbas para esta área. Se olharmos para o relatório do Gabinete de Estudos do Parlamento Europeu sobre os dados das verbas disponibilizadas para a habitação, e segundo o Tribunal de Contas, percebe-se que o PRR está centrado nas áreas metropolitanas, ou seja, para mim, não respeita o princípio de não prejudicar a coesão”, uma situação que, defende, tem de ser alterada. O responsável da CCDR Algarve referiu ainda que, “independentemente dos contextos políticos e ciclos eleitorais é fundamental salvaguardar algumas situações, nomeadamente, e entre outras, reforçar o papel das regiões na construção do futuro da Europa; aumentar a eficácia das políticas de base municipal e local e aplicar o princípio de não prejudicar a coesão. Temos de continuar a trabalhar em rede, como aliás temos já feito nos últimos anos. Porque juntos, e só juntos, o Algarve avança”.

Nelson Dias fez depois a apresentação “Desafios de Habitação no Algarve” (disponível AQUI), focada, maioritariamente, em dados disponíveis até maio deste ano e entre os quais se destacam:  
- Nº total de fogos de habitação disponíveis no Algarve: 393.397
- Nº total de fogos de habitação pública municipal: 4354 (representando 1,1% de todo o Parque habitacional) 
- Nº total de alojamentos locais licenciados: 44.439 (representando cerca de 11% de todo o parque habitacional)
- Nº total de residências vagas no Algarve: 46.792 (31.304 para venda e 15.448 por outros motivos).
- Procura e oferta da habitação pública municipal no Algarve:
 ◊ Oferta atual: 4354
 ◊ Previsão de novos fogos até 2030 (segundo dados dos municípios): 5399
 ◊ Procura habitacional atual:7821
Para o fundador da Associação Oficina, os grandes desafios da habitação no Algarve passam por: “mais planeamento; mais regulação; aumento da oferta; concertação e capacitação”, referindo que, principalmente nestes dois últimos pontos, “o papel da AMAL é, e continuará a ser, fundamental”.  

“A crise da habitação e o papel do poder local” foi o título da apresentação de Helena Roseta (disponível AQUI), que começou por afirmar que a crise da habitação está a agravar-se e a desesperança aumenta, abalando a confiança na democracia.  Para a arquiteta, “estes são sinais de alarme sintomáticos de duas questões de fundo: insuficiência e ineficácia das políticas públicas de habitação e profundo disfuncionamento do mercado habitacional”. É preciso perceber que “o mercado de habitação mudou muito e que o forte e rápido aumento da escala da procura fez disparar os preços”. De acordo com Helena Roseta, especialista nesta área, existem estudos que indicam que Portugal é o país europeu com menos acessibilidade à habitação, sendo que “continuamos a ter famílias sem casas e casas sem famílias”, lembrando depois que, no Algarve, havia 46.752 casas vazias registadas pelo INE, em 2021 (no país eram 723.000). A arquiteta defendeu que os municípios, de todo o país, deviam tentar perceber porque é que estas casas estão vazias e que medidas podiam ser tomadas para mudar essa realidade (quer incentivos, quer penalizações).
Defendeu também que não é possível equilibrar a oferta com a procura sem regulação pública: “Existindo uma oferta que é local e territorialmente limitada vs uma procura que é global e virtualmente ilimitada, é impossível equilibrar os pratos da balança sem regulação pública democrática”. Nesse sentido, diz que é primordial que seja, efetivamente, tida em conta aquilo que designou por “mala de ferramentas da habitação” que inclua a Promoção Pública de habitação; Medidas fiscais; Subsidiação e Regulação legal. 
Helena Roseta aproveitou para deixar, também, algumas ideias relacionadas com o envolvimento dos cidadãos na tomada de decisões, referindo que no âmbito do novo Programa Regional para a Promoção da Participação Cívica, previsto no Plano de Desenvolvimento Social do Algarve (e sobre o qual felicitou a região), seria importante “criar instrumentos que alarguem as formas de participação cidadã no desenvolvimento da região, nomeadamente: Estimular a criação de conselhos municipais de habitação e incentivar a participação dos moradores dos bairros sociais na gestão dos seus bairros, através de associações ou comissões de moradores”. 

António Pina foi outro dos participantes do debate e referiu que passados 50 anos continuamos a falar das mesmas coisas: habitação, salários, saúde, descentralização. É verdade que nos últimos 25 anos as coisas melhoraram, mas estamos, atualmente, com um sentimento muitas vezes repetido, “a desesperança”, porque muitas famílias continuam sem casa e este é um princípio básico que deveria estar disponível para todos. Para o Presidente da AMAL, o ideal seria reabilitar; promover nos Planos Diretores Municipais, “e isso já vai acontecendo”, uma percentagem da área consolidada urbana para os municípios avançarem com construção a preços controlados, para venda e arrendamento, ou ter regras para o alojamento local. Mas a verdade, lembrou, “é que tudo isto leva muito tempo e não conseguimos aferir se o resultado é direto”. Da experiência enquanto autarca, entende que “devemos mesmo construir seja para arrendar (preferencialmente), seja para vender, mas não me parece que o país tenha essa capacidade de endividamento”. 
Por outro lado, diz, “o regime de endividamento das autarquias que está em vigor também não nos permite avançar com a construção de habitação. Só o podemos fazer se for através de empresas municipais”. O caminho que defende é o da “construção de habitação pública, por parte dos municípios, mas para isso é necessária a revisão da Lei dos Solos e da Lei das Finanças Locais. Para além disto, a Europa também precisa de se organizar para poder facilitar o endividamento junto das famílias. Se conciliarmos estas 3 vertentes: terrenos, o público a fazer a sua própria construção e financiamento europeu para a habitação conseguimos ter uma taxa de esforço mensal na ordem dos 500,00€ (que, para 2 pessoas, representaria uma taxa de esforço de 25% se pensarmos que o salário mínimo está a chegar aos 1000,00€)”. 

A finalizar o painel de convidados foi a vez de Carlos Baía, da Câmara Municipal de Faro e vogal do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Habitação Municipal. O vereador deixou algumas notas. Uma referente ao PRR, falando “em desilusão” a respeito deste Programa, porque num primeiro momento falou-se na construção de 26 mil casas, depois percebeu-se que ainda assim seriam insuficientes para dar resposta às necessidades, acrescendo a burocracia dos processos, os prazos de execução estipulados no PRR (muito curtos), a falta de know how das equipas das autarquias e um outro factor que prejudicou alguns municípios, a concorrência, uma vez que as empresas de construção foram chamadas para dar resposta a outros setores como a saúde, o sector social ou a educação. Conclusão, “vamos, infelizmente, ficar muito aquém do objetivo inicial e o desafio agora é perceber o que é que podemos fazer. A verdade é que quando se implementam medidas de âmbito nacional de forma cega percebemos que a sua eficácia não é aquela que se gostaria porque é preciso perceber que o Algarve tem características muito próprias em relação ao resto do país, e por essa razão devemos saber reivindicar medidas territorializadas”, referiu. Existe, na região, um défice histórico no que diz respeito a construção de habitação municipal e, ao contrário do resto do país, o Algarve, está a crescer e, portanto, a procura e necessidade de casa tem sido cada vez maior.
Falando mais concretamente da situação de Faro, Carlos Baía referiu que “está em vigor a Estratégia Local de Habitação, revista em 2023 e mais robustecida, que prevê a disponibilização de cerca de 1000 fogos no mercado”. Atualmente Faro tem um parque habitacional de 40 mil fogos, sendo destes 400 de habitação municipal. Para o vereador uma coisa é certa: “O tema da habitação não pode, mesmo, sair da agenda política”.

Na primeira parte da Assembleia Intermunicipal Extraordinária, que contou com a presença de 41 dos 58 membros que integram este órgão da AMAL, foram apresentadas as Moções adiadas na reunião de 28 de abril (na sequência do apagão). A saber: pelo Grupo Intermunicipal da CDU, foram levados a discussão e votação três documentos: “A Assembleia Intermunicipal do Algarve Congratula-se com o Fim das Portagens na Via do Infante”; “Moção 1º de Maio” e “Pela Dignificação e Valorização do SNS e dos seus Profissionais ao Serviço das Populações” (todos aprovados). 

O Grupo Intermunicipal do Bloco de Esquerda apresentou a Moção “O Algarve exige a requalificação urgente da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António” (aprovada por unanimidade), enquanto o Grupo Intermunicipal do PSD retirou da ordem do dia a Moção sobre o “Centro Oncológico do Algarve” por entender que no contexto atual já não fazia sentido. Continua a defender a necessidade de construção do Centro, mas, desde abril até agora, houve alterações no contexto em que foi escrita a moção e por isso decidiu retirá-la.

No final da reunião, e uma vez que esta foi a última sessão da Assembleia Intermunicipal com esta composição, o presidente, José Águas da Cruz, despediu-se de todos os deputados afirmando que “foi um orgulho e uma honra desempenhar o cargo para que foi eleito”.
A Assembleia Intermunicipal em Movimento é uma das iniciativas que José Águas da Cruz promoveu durante o seu mandato e que consiste na realização destas sessões descentralizadas nos concelhos do Algarve, com o objetivo de motivar os algarvios para a discussão dos grandes temas respeitantes à região. Desde o início deste roteiro, em dezembro de 2021, a Assembleia Intermunicipal realizou sessões em oito municípios: Faro, Vila Real de Santo António, Loulé, Lagos, Castro Marim, Silves, Albufeira e São Brás de Alportel. 

Depois das eleições autárquicas será votada e composta uma nova Assembleia Intermunicipal.


Legenda da foto da Mesa da Assembleia (da esqª para a dtª):
Nelson Dias / José Apolinário, CCDR Algarve / Helena Roseta, Arquitecta / José Manuel Correia Águas da Cruz / António Pina / Carlos Baía.

 
 
 
 
 
 
 
 

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